Por Ézio dos Anjos
O avanço da inteligência artificial (IA) tem provocado transformações profundas em diferentes setores da sociedade — e a educação é, sem dúvida, um dos mais impactados. Embora muitas vezes apresentada como uma solução milagrosa para problemas históricos da área, a adoção desenfreada de ferramentas de IA na educação brasileira pode gerar consequências negativas difíceis de reverter.
Um dos principais riscos é o aprofundamento das desigualdades já existentes. As ferramentas baseadas em IA, como tutores automatizados, assistentes virtuais e sistemas de correção de redações, exigem acesso constante à internet, dispositivos atualizados e familiaridade com ambientes digitais. Em um país onde milhões de estudantes não têm sequer acesso regular a computadores ou conexão de qualidade, o uso massivo dessas tecnologias pode ampliar ainda mais a lacuna entre ricos e pobres, entre escolas públicas e privadas.
Além disso, o uso excessivo de IA pode comprometer o desenvolvimento do pensamento crítico e da autonomia intelectual dos estudantes. Ao recorrer a assistentes de escrita automática ou geradores de respostas, o aluno deixa de construir seu próprio raciocínio e perde a oportunidade de errar, refletir e aprender. A aprendizagem se torna superficial, baseada em respostas prontas e não na construção ativa do conhecimento.
Outro ponto preocupante é a fragilidade ética e pedagógica dessas ferramentas. Algoritmos não substituem professores. Eles não têm sensibilidade cultural, empatia ou capacidade de lidar com as complexidades humanas da sala de aula. Quando decisões pedagógicas passam a ser mediadas por sistemas automatizados, corre-se o risco de desumanizar o processo educativo, transformando-o em uma experiência padronizada, mecânica e descontextualizada da realidade dos alunos.
Também é preciso considerar os riscos relacionados à privacidade e ao uso indevido de dados. Muitos aplicativos educacionais coletam informações sensíveis dos usuários sem a devida transparência. Em um cenário de regulação ainda frágil, a exposição de dados de crianças e adolescentes pode abrir caminho para práticas abusivas e violação de direitos.
Por fim, há um risco político e estrutural: o discurso de modernização tecnológica pode servir como cortina de fumaça para o desmonte da educação pública. Em vez de investir na valorização dos professores, na melhoria da infraestrutura das escolas e na formação crítica dos alunos, governos e empresas podem apostar em soluções fáceis, terceirizando a educação para plataformas digitais que priorizam o lucro em detrimento da qualidade.
A inteligência artificial tem, sim, potencial para colaborar com a educação, mas isso exige regulamentação rigorosa, mediação humana qualificada e um projeto pedagógico que coloque o aluno — e não o algoritmo — no centro do processo. No Brasil, onde a exclusão digital e a desigualdade educacional são profundas, é urgente refletir sobre os limites e perigos da tecnologia antes de adotá-la como panaceia.
A educação não pode ser automatizada. Ela precisa de tempo, diálogo e presença humana. Sem isso, corremos o risco de formar não cidadãos críticos, mas consumidores passivos de respostas geradas por máquinas.