País atinge pela primeira vez menos de 50% de católicos; evangélicos e “sem religião” avançam em todas as regiões. Goiás exemplifica o ritmo acelerado dessa transição.
O Brasil vive uma transformação histórica em sua paisagem religiosa. Dados do Censo Demográfico 2022, divulgados pelo IBGE, confirmam a queda inédita da proporção de católicos para menos de metade da população e um crescimento expressivo dos evangélicos e dos que se declaram sem religião. Goiás, no Centro-Oeste, é um retrato vivo e até mais intenso desse fenômeno nacional.
UMA TRANSIÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL
O Censo 2022 não apenas contou a população — ele contou novas histórias de fé. Em 12 anos, o país viu o catolicismo perder terreno como nunca, caindo de 64,6% em 2010 para 49,6% em 2022. Pela primeira vez em sua história, menos da metade dos brasileiros se declara católica.
Em paralelo, os evangélicos consolidaram-se como a segunda maior força religiosa, saltando de 22,2% para 31% no mesmo período. A categoria “sem religião” também deu um salto: de 8% para 10,3%.
Esses números confirmam uma transição já visível nas décadas anteriores, mas que agora atinge um ponto de inflexão. Em um país famoso por festas católicas, santos padroeiros e procissões, o mapa da fé se redesenha com mais cores, vozes e ritos — e com mais disputas.
A QUEDA DO CATOLICISMO: UM FENÔMENO NACIONAL
Em 1991, mais de 80% da população brasileira se declarava católica. Em 2010, essa fatia já havia caído para 64,6%. Agora, em 2022, rompe-se um marco simbólico: menos de 50% dos brasileiros mantêm essa filiação.
Os motivos são múltiplos e se entrelaçam:
• Desgaste institucional: Crises internas, dificuldade de renovação e de manter presença em áreas periféricas.
• Envelhecimento demográfico: Em várias regiões, a base católica envelheceu sem renovação proporcional entre os mais jovens.
• Concorrência ativa: O crescimento de igrejas evangélicas com estratégias de evangelização porta a porta, mídia e redes sociais.
• Mudanças culturais: Urbanização, individualismo e questionamento de estruturas tradicionais.
O catolicismo segue sendo o maior grupo religioso, mas precisa enfrentar o desafio de estancar perdas e dialogar com uma sociedade em mudança.
A ASCENSÃO EVANGÉLICA: UM CRESCIMENTO ROBUSTO E DIVERSIFICADO
De 22,2% para 31% em 12 anos: o avanço evangélico não apenas continuou, mas acelerou em várias regiões. Esse crescimento não é homogêneo, nem limitado a uma única vertente:
• Pentecostais tradicionais: Assembleias de Deus, Congregação Cristã no Brasil.
• Neopentecostais: Igreja Universal, Igreja Mundial, ministérios independentes.
• Evangélicos de missão: Batistas, Presbiterianos, Metodistas.
Essa diversidade interna oferece múltiplas linguagens para públicos variados. O sucesso evangélico se explica por:
• Capilaridade: Presença em bairros periféricos, zonas rurais e fronteiras agrícolas.
• Organização comunitária: Rede de apoio social e emocional.
• Mensagem adaptada: Ênfase em cura, prosperidade, experiência espiritual intensa.
• Uso de mídia: Domínio de rádio, TV, internet e redes sociais.
Em várias cidades brasileiras, especialmente no Norte e Centro-Oeste, os evangélicos já se aproximam ou até superam os católicos em número absoluto.
O AVANÇO DOS “SEM RELIGIÃO”: SECULARIZAÇÃO RELATIVA E BUSCA INDIVIDUAL
O grupo “sem religião” também cresceu de forma relevante, de 8% em 2010 para 10,3% em 2022. Essa categoria inclui:
• Ateus e agnósticos.
• Pessoas espirituais sem filiação formal.
• Descrentes de instituições, mas não necessariamente da ideia de Deus.
A expansão desse grupo reflete tendências globais de secularização relativa — ou seja, não significa ausência de fé, mas recusa de mediação institucional.
Esse fenômeno é mais acentuado em regiões metropolitanas, entre jovens, pessoas mais escolarizadas e segmentos urbanos que se distanciam de moralismos tradicionais. Indica uma sociedade mais plural, mas também mais fragmentada em termos de laços comunitários religiosos.
OUTRAS RELIGIÕES: DIVERSIFICAÇÃO E MAIOR ACEITAÇÃO
O Censo também capturou mudanças sutis, mas relevantes:
• Espiritismo: Leve oscilação (cerca de 1,9%), mantendo-se como importante minoria.
• Religiões afro-brasileiras: Embora numericamente pequenas (em torno de 0,3%), apresentaram estabilidade ou leve aumento, indicando maior aceitação e menor estigma.
• Outras crenças: Budismo, judaísmo, religiões orientais e novas espiritualidades, compondo o mosaico.
Esses dados refletem a pluralidade brasileira e a abertura (ainda que desigual) para caminhos espirituais diversos.
ANÁLISE REGIONAL: UM BRASIL PLURAL EM RITMO DESIGUAL
Embora a tendência nacional seja clara — menos católicos, mais evangélicos e mais sem religião — o ritmo varia muito por região:
Norte e Nordeste
• Epicentro da transição mais acelerada.
• Estados como Rondônia, Acre, Pará e Roraima já têm maioria evangélica ou muito próxima.
• Nordeste historicamente católico vive crescimento evangélico intenso, especialmente em periferias urbanas e áreas rurais.
Sudeste
• Ainda detém o maior número absoluto de católicos.
• Rio de Janeiro e Espírito Santo apresentaram quedas acentuadas no catolicismo e aumento forte dos evangélicos.
• São Paulo combina crescimento evangélico com alta dos sem religião (14,2%), refletindo urbanização e diversidade.
Sul
• Forte tradição católica e presença de imigração europeia.
• Declínio católico em ritmo mais gradual.
• Crescimento evangélico consolidado, com destaque para pentecostais.
Centro-Oeste
• Espelha a média nacional, mas com destaques como Goiás e Mato Grosso.
• Urbanização, agronegócio e migrações internas contribuem para dinamismo religioso.
Em todos os estados, a categoria “sem religião” cresceu — sinal de mudanças socioculturais profundas.
ESTUDO DE CASO: GOIÁS, UM MICROCOSMO DA MUDANÇA
Goiás sintetiza de forma intensa a transição religiosa brasileira. Em 2010, era um estado majoritariamente católico (59,7%). Em 2022, os católicos caíram para 47,5%.
Os evangélicos saltaram de 28,7% para 37,7%, acima da média nacional. Já os “sem religião” cresceram de 7,6% para 10,5%.
Em 2010, a razão entre evangélicos e católicos (REC) em Goiás já era alta (47,7%), indicando avanço acelerado. Em 2022, essa razão se estreitou ainda mais, sugerindo que os evangélicos podem superar os católicos em breve — antes mesmo das projeções nacionais (que indicam 2040).
Fatores locais explicativos
• Urbanização acelerada: Goiânia, Anápolis, Rio Verde e o cinturão de cidades médias em crescimento.
• Expansão de templos: Facilitação na abertura de igrejas, presença em periferias e zonas rurais.
• Mídia local: Fortes rádios e programas de TV evangélicos.
• Adaptação social: Mensagem de prosperidade, cura, acolhimento comunitário e auxílio prático em tempos de crise.
• Migração interna: Populações vindas de outras regiões com perfil religioso diverso.
Além disso, Goiás viu aumento modesto, mas constante, de espiritismo e religiões afro-brasileiras, compondo um cenário mais plural e menos previsível do que há décadas.
IMPLICAÇÕES SOCIAIS, POLÍTICAS E CULTURAIS
As mudanças captadas pelo Censo têm implicações que vão além do religioso:
• Socioculturais: Mudança de ritos, festas e símbolos. Maior diversidade exige tolerância, mas também gera disputas.
• Políticas: Reorganização de forças eleitorais, lobby religioso mais fragmentado e disputas por agendas morais.
• Institucionais: Catolicismo precisa se renovar para reter fiéis. Igrejas evangélicas precisam gerir crescimento sem fragmentação excessiva.
• Secularização relativa: Mais pessoas buscam espiritualidade individualizada ou rejeitam mediações formais.
O FUTURO DA FÉ NO BRASIL
Pesquisadores estimam que, mantidas as tendências, os evangélicos podem alcançar ou superar os católicos em número absoluto até 2040. Goiás, com crescimento mais acelerado, pode viver essa inversão já na próxima década.
Essa pluralização religiosa não implica necessariamente em conflito, mas exigirá:
• Capacidade de diálogo inter-religioso.
• Respeito à diversidade de crenças e não crenças.
• Acompanhamento crítico dos impactos sociais e políticos da fé.
O Brasil está menos católico, mais evangélico e mais plural. É uma sociedade em transição, onde a religião continua a ser força vital, mas cada vez mais diversa e contestada.
FONTES
• IBGE – Censo Demográfico 2010 e 2022
• Observatório do Campo Religioso no Brasil
• Entrevistas com pesquisadores de Ciências da Religião
• Relatórios e projeções acadêmicas sobre religião no Brasil (2023–2025)